Por que deveríamos todos nos tornar Historiadores Públicos?
Por Thomas Cauvin
Traduzido por Frederico Zgur
Traduzido por Frederico Zgur
Como mostrado pelo sucesso da conferência da Federação Internacional de História Pública de 2016, na Colômbia, a História Pública está se tornando mais popular a cada ano em todo o mundo. Essa popularidade desencadeia questões e debates sobre o futuro do campo. Alguns historiadores advogam por programas de História Pública mais específicos, enquanto outros questionam os limites para essa expansão. Estamos em uma encruzilhada sobre a expensão da História Pública e precisamos considerar a possibilidade de nós todos nos tornarmos historiadores públicos.
Programas de História Pública
Em artigo recente, Joana Wojdon explica que precisamos de programas em História Pública mais específicos.[1] Em outra linha, alguns acadêmicos nos Estados Unidos se questionam se “já não há muitos programas em História Pública nas universidades”[2] Esses pontos de vista opostos podem ser explicados por seus contextos diferentes. A História Pública é um campo emergente na Europa, enquanto já existem mais de 200 programas na América do Norte. Contudo, ambas visões questionam a relação entre a História Pública e a profissão histórica como um todo.
Programas em História Pública são necessários para reconhecer o trabalho de historiadores que atuam fora das universidades. Além do mais, não existe História Pública “apriorística”. Organizar uma exibição, escrever painéis, fazer história oral, arquivar documentos privados ou criar uma coleção online requer ferramentas e conhecimentos específicos. Programas em história pública também contribuem para (re)conectar as universidades com suas comunidades locais. Por exemplo: sob a liderança do Humanities Action Lab (New School, NY), vinte universidades norte americanas participaram do projeto “Estados de Encarceramento: Um Diálogo Nacional de Histórias Locais”, que explora a explosão numérica de prisões e pessoas encarceradas nos Estados Unidos. Ainda que tais habilidades e exemplos confirmem o argumento de Wojdon, todos os historiadores deveriam ser encorajados a desenvolverem suas habilidades em história pública.
Deveríamos Todos nos Tornar Historiadores Públicos
Esse título pode soar ingênuo quando, convenhamos, poucas pessoas sabem o que é História Pública. Em sua resposta para Wojdon, o historiador estadunidense Ted Karamaski relembra que o objetivo dos fundadores do movimento da História Pública nos Estados Unidos nos anos 1970 era reformar a maneira pela qual a História era praticada por toda a profissão.[3] Ainda que ele argumente que tal tarefa se mostrou demasiadamente otimista, algumas evidências e argumentos provam o contrário. Definitivamente há espaço para a História Pública contribuir para uma mudança maior no ofício do historiador. A criação de programas específicos em História Pública deveria ser apenas um passo no desenvolvimento mais amplo das humanidades públicas. O Centro de Humanidades Públicas na Universidade de Brown é um bom exemplo de como a História Pública pode levar a uma mudança mais profunda no modo em que acadêmicos se engajam e colaboram com sus públicos.
A História Pública pode se infiltrar nas artes liberais e nas humanidades através de cursos específicos, tarefas e/ou projetos. Mesmo cursos introdutórios em história geral poderiam incluir projetos sobre história digital e/ou oral, bem como requerer trabalhos sobre os usos públicos do passado. A relação entre acadêmicos e o público (como audiência e como parceiro) pode fazer parte de qualquer curso de História. De fato, o papel e o trabalho dos historiadores em nossas sociedades mudou tremendamente nos últimos 20 anos, parcialmente por conta das novas mídias, e necessita de formação adequada. O surgimento da Web 2.0 — em que o usuário é também um contribuidor — força historiadores digitais a reconsiderar os links com suas audiências. O fato de que a história pública exige dos estudantes que estejam equipados para comunicarem-se e compartilharem suas pesquisas, assim como para proporem novas teorias de interação entre os distintos atores da produção histórica, é um ganho real para as humanidades no geral. Compartilhar a autoridade com o público não enfraquece a autoridade dos historiadores, mas os torna mais fortes por fazerem parte de suas comunidades.
Teoria e Prática: O Perfil do Novo Historiador
Deveríamos todos nos tornar historiadores públicos; isso ajudaria a reconciliar a teoria e a prática. Os links entre teoria e prática são todo um novo objeto de debate. Em 1984, ao explorar as aplicações para o passado, o historiador francês Henry Rousso comparou um tipo de pragmatismo americano com uma abordagem mais teórica feita na França.[4] Contudo, a recente internacionalização da História Pública esmaeceu essa oposição. Em 2013, um grupo de trabalho internacional de historiadores públicos explorou maneiras de reconciliar teoria e prática.[5] Eles explicaram que o ensino da História Pública é baseado na auto-reflexão e no constante questionamento acerca do papel dos historiadores. Dessa maneira, projetos, cursos e trabalhos de história pública podem ser integrados em cursos regulares de historiografia, metodologia e/ou didática.[6]
Ensinar História Pública torna a relação entre teoria e prática mais complexa. Aos invés de contrastá-las, os historiadores públicos exploram como teoria e prática se relacionam uma com a outra. Graças a cursos orientados por projetos, os alunos podem explorar e aplicar a teoria através de experiências práticas. Os cursos podem ser divididos em três partes: teoria, prática, e novas teorias. Através da leitura e discussão da teoria, os projetos e suas aplicações auxiliam os estudantes a compreenderem os desafios de se aplicar a História em assuntos ou temas específicos. Os alunos também podem ser convidados a oferecerem novas considerações sobre o campo por meio de um último exercício de teorização. Nessa tarefa, os alunos proporiam novas e mais pessoais teorias — sobre o assunto do curso, história oral, arquivos, documentários, etc. — guiados por suas recentes experiências práticas. Por exemplo, uma prática digital como “crowdsourcing”* oferece novas possibilidades e também novos papéis para historiadores.[7] Um instrutor poderia pedir aos alunos que aplicassem projetos de museus e gerenciamento de coleções a um projeto de crowdsourcing — pedindo a participação do público para criar uma coleção digital. Os alunos teriam então que escrever um trabalho final em que re-teorizassem o uso de ferramentas digitais e o papel dos historiadores na participação pública na gestão de coleções.
Equilibrando teoria e prática, e capacitados para trabalhos para e com públicos diversos, os historiadores podem se tornar poderosos atores no debate público. Ainda que menos visível que a criação de programas específicos, a difusão das práticas de História Pública através de todo o campo profissional pode mostrar o caminho para a emergência de humanidades públicas participatórias.
* “Crowndsourcing”, “contribuição colaborativa” ou ainda “colaboração coletiva” é um método que permite a participação do público através de formulários, bancos de dados ou mesmo produzindo conteúdo.
[1] Joana Wojdon “Do We Need Public History Programs?” in Public History Weekly, 33/4, 2016, https://public-history-weekly.degruyter.com/4-2016-33/do-we-need-public-history-study-programs/ (Consultado em 12 de Dezembro de 2016).
[2] Robert R. Weyeneth and Daniel J. Vivian “Public History Pedagogy: Charting the Course: Challenges in Public History Education, Guidance for Developing Strong Public History Programs” in The Public Historian, 38/3, 2016, pp. 25–49 (26).
[3] Ted Karamanski “Comment to Joana Wojdon” in Public History Weekly, 33/4, 2016, https://public-history-weekly.degruyter.com/4-2016-33/do-we-need-public-history-study-programs/ (Consultado em 12 de Dezembro de 2016).
[4] Henry Rousso, “L’histoire appliquée ou les historiens thaumaturges.” Vingtième Siècle, 1/1, (1984), 105–122.
[5] National Council on Public History, Working Group: Teaching Public History, Ottawa, 2013, http://ncph.org/wp-content/uploads/Teaching-Public-History-Case-Statements.pdf (Consultado em 12 de Dezembro de 2016).
[6] Marko Demantowsky, “Practice vs. Theory and Rüsen’s New Historik” in Public History Weekly, 14/1, 2013, https://public-history-weekly.degruyter.com/1-2013-14/praxis-vs-theorie-und-ruesens-neue-historik/ (Consultado em 12 de Dezembro de 2016).
[5] National Council on Public History, Working Group: Teaching Public History, Ottawa, 2013, http://ncph.org/wp-content/uploads/Teaching-Public-History-Case-Statements.pdf (Consultado em 12 de Dezembro de 2016).
[6] Marko Demantowsky, “Practice vs. Theory and Rüsen’s New Historik” in Public History Weekly, 14/1, 2013, https://public-history-weekly.degruyter.com/1-2013-14/praxis-vs-theorie-und-ruesens-neue-historik/ (Consultado em 12 de Dezembro de 2016).
[7] Veja como Brennan e Kelly exploram o metamorfo papel dos historiadores públicos através de projetos de crowdsourcing online, especialmente através do Hurricane Digital Memory Bank. Sheila A. Brennan and T. Mills Kelly “Why Collecting History Online is Web 1.5” Center for History and New Media, Case Study, March 2009, http://ebot.gmu.edu/bitstream/handle/1920/9808/WhyCollectingHistoryOnlineisWeb1-5.pdf?sequence=1&isAllowed=y (Consultado em 12 de Dezembro de 2016).
Original em: https://public-history-weekly.degruyter.com/4-2016-42/why-we-should-all-become-public-historians/
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